O ano de 2021, até agora, marcou a ida de empresas do agronegócio à B3 como nunca antes. O setor, cada vez mais representativo no Produto Interno Bruto (PIB) do País, carece de bons representantes na Bolsa brasileira, e a 3tentos (TTEN3) foi uma das últimas a levantar capital para ampliar seus negócios.
A oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) da 3tentos ocorreu em julho, movimentando R$ 1,3 bilhão. Cerca de dois terços desse montante foi para o caixa da empresa, que quer investir em novas unidades e reforçar seu capital de giro.
A abertura de capital vem em um momento de alta volatilidade do mercado de commodities, com uma nova dinâmica global de demanda por alimentos.
Segundo Maurício Hasson, CFO da 3tentos, a diversificação, crescimento e rentabilidade da empresa suavizam esse movimento das matérias-primas — que caminham para uma curva negativa nos próximos meses.
Confira os principais trechos da entrevista exclusiva do Suno Notícias com o executivo da novata na Bolsa, mas que já tem muito tempo de estrada no agro brasileiro.
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Conte um pouco da trajetória da 3tentos nos últimos trimestre e como foi essa transição para o IPO.
A companhia vem em um ritmo de crescimento bastante forte, mesmo antes do IPO. É uma constante nos últimos 10 anos da empresa, sobretudo em termos de receita. Houve, sim, alguma variação em margens, pois passamos por muitas fases na última década, mas sem grandes sustos.
O que vimos no primeiro e segundo trimestres deste ano, que foram bem parecidos em termos de crescimento e margens, foi um avanço forte na parte de insumos — principalmente em volume –, enquanto o segmento de grãos teve um crescimento mais lento.
O primeiro trimestre, sazonalmente, é muito fraco para grãos, que tem seus melhores momentos no segundo e terceiro trimestres, especialmente a soja.
Esse impacto chega apenas em termos de receita, pois os contratos estão firmados, basta apenas entregar o grão em si.
Julho já tem uma melhor situação. Inclusive, já apontamos aos investidores que no terceiro trimestre a receita será muito maior na comparação anualizada, em função do atraso no início deste ano.
Mesmo se comparando os primeiros nove meses, aliviando este impacto, estaremos crescendo no segmento de grãos.
Na indústria, na parte de farelo, os resultados foram muito fortes em termos de preço no primeiro trimestre, cedendo um pouco no segundo trimestre.
A vantagem de termos um negócio diversificado é que isso foi compensado, com o biodiesel melhorando entre abril e junho. Além disso, entendemos que, no fim deste ano, entregaremos mais vendas em função de nossa capacidade industrial.
Em insumos, existem algumas explicações para os números. Crescemos muito em volume de vendas pois estamos abrindo novas lojas.
Portanto, as receitas geradas hoje são de lojas abertas há dois ou três anos, e o mesmo acontecerá nos próximos anos, por conta da maturação destas unidades. Significa uma base de crescimento importante para nós.
A companhia possui um guidance aberto ao mercado? Quais são as projeções da 3tentos?
Oficialmente, não falamos em guidance. A princípio, nossa ideia é investir na comunicação com os investidores, para que primeiro o entendimento do nosso negócio esteja alinhado.
É importante que o mercado entenda quais são as alavancas e desafios do nosso business.
Nas últimas semanas, por exemplo, nos foi muito perguntado sobre os possíveis problemas que poderiam acontecer com o frio na região Sul. Então, acreditamos que é importante mostrar o que, de fato, nos impulsiona e o que nos atrapalha para, com isso, mostrar para onde seguiremos.
Até pelo modelo de negócio ser novo na Bolsa brasileira, teremos um grande trabalho na uniformidade de crescimento.
A título de entendimento, o melhor momento para nossas projeções é maio, pois o primeiro trimestre já está finalizado e a parte de insumos, que fica mais aquecida entre outubro e março, já está precificada. A partir disso, conseguimos pensar em orientação de resultados.
No roadshow do IPO, falávamos que teríamos um faturamento de R$ 4,5 bilhões neste ano, e hoje acreditamos que vamos passar desse montante. Isso deve acontecer, sobretudo, por conta do trading de grãos, que diminui margem mas traz maior lucro bruto — que no final do dia é o que paga a conta.
Vejo a 3tentos fechando o ano com uma receita próxima de R$ 5 bilhões. Já para o ano que vem, a dinâmica será um pouco diferente, favorecida pela abertura de ao menos sete novas lojas.
Como vocês enxergam a ascensão do agro à Bolsa?
Nós olhamos essa entrada no mercado de capitais com uma enorme responsabilidade. Apenas para contextualizar, vamos pensar nos frigoríficos, que chegaram à Bolsa em peso 2007.
Nessa época, quente para o mercado de capitais, não tínhamos agro na Bolsa.
Só tínhamos a Brasil Ecodiesel, que foi um caso que deixou uma grande mancha no setor. A SLC (SLCE3) chegou um pouco depois. Era o que tínhamos. Somente agora estamos vendo a ascensão do setor na Bolsa brasileira.
A 3tentos chega ao mercado com a bandeira do agronegócio. Não somos uma cadeia integrada de proteína, ou de produção rural; somos puramente da agroindústria. A responsabilidade é grande pois inauguramos um subsetor da Bolsa.
A Boa Safra (SOJA3), que também chegou recentemente, é uma produtora de sementes. A Vittia (VITT3), por sua vez, é uma produtora de fertilizantes. Essas são mais próximas do nosso negócios e vemos esse movimento como positivo.
O CEO e fundador da 3tentos, Luiz Osório Dumoncel, diz que “2021 é o primeiro ano dos próximos 25 anos da empresa”. Já tivemos 25 anos de história fora da Bolsa, e o IPO foi um marco na vida da empresa.
O nosso comprometimento com os recursos captados junto aos investidores elevam demais nossa responsabilidade frente ao mercado.
Nesse sentido, a gama de empresas do segmento na B3 aumentaram. Como a 3tentos se coloca frente à concorrência?
É importante sabermos, no cerne, os fundamentos que a 3tentos carrega. Crescimento, rentabilidade e retorno. Na última década, nós crescemos 27% ao ano.
Nós temos margens bastante atrativas para o setor e nosso Retorno sobre Capital Investido (ROIC) é altíssimo. Essa tríade, no nosso caso, anda muito bem junta.
No relatório do segundo trimestre, a SLC traz a relação de seu net asset value (NAV), chegando à conclusão de que do preço de suas ações, R$ 30 vinham do NAV [hoje são negociadas próximas de R$ 45].
Ou seja, dois terços da empresa são ativos e o terço restante é o valor do negócio em si, o intangível que repousa sobre o valor do ativo.
Trazendo essa mesma relação para o nosso caso, vejo que nosso NAV seja de R$ 1 bilhão, enquanto o valor de mercado gira em torno de R$ 5 bilhões. São modelos de negócio muito distintos.
Por outro lado, Boa Safra e Vittia, que são ótimas empresas e vão crescer demais, estão muito “nichadas”. Em modelos de maior escala, como o nosso (mesmo sendo asset light), estamos na cadeia inteira, apenas não estamos na produção agrícola e logística.
Nosso modelo de negócio intrinsecamente está ligado ao ganho que nossos clientes podem ter. Apenas vamos ter sucesso, se o produtor parceiro também for bem. E, em função dessa parceria e nossa diversificação, as flutuações dos preços das commodities nos impactam muito menos que outras empresas.
Em que pé está a alocação de recursos levantados na oferta? Foi mais de R$ 1 bilhão para o caixa
Estamos seguindo na linha o plano da abertura de capital. A ideia do IPO era colocar R$ 450 milhões em uma planta no Mato Grosso; abrir mais 22 lojas no Rio Grande do Sul e oito no Mato Grosso; e separar um montante para capital de giro.
Dissemos que parte deste dinheiro poderia ser destinado para aquisições, justamente para acelerar este plano. Do contrário, faríamos tudo conforme o prospecto, de forma orgânica.
E estamos fazendo exatamente isto.
Naturalmente, continuamos olhando para alvos de M&A que nos apresentam. Por enquanto, estamos dando total foco para a construção de nossas unidades da forma com que sempre fizemos. Do zero.
Embora dê mais trabalho, é algo que sabemos fazer muito bem. Nossa cultura empresarial é forte o suficiente para o emprego de capital desta forma.
Quais são as perspectivas para o setor?
O agronegócio desacelerou no segundo trimestre deste ano, segundo dados do PIB divulgados pelo IBGE. Contudo, os números apresentados ali não são sazonalizados, o que muda um pouco a perspectiva na comparação com o primeiro trimestre.
De toda forma, estamos bastante positivos para este ano e 2022, em vários aspectos. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) está falando em recorde de safra de grãos entre 2021-22, embora ainda seja muito cedo para falar sobre isso.
O Brasil deve continuar sendo o principal produtor de soja. Além disso, a demanda global por alimentos deve continuar subindo. Nesse sentido, a procura por biocombustíveis continuará crescendo nos próximos anos.
Por consequência, a demanda por terras acompanhará esse movimento.
E, na nossa visão, a capacidade de gerar oferta para suprir toda essa demanda alimentícia mundial somente será possível com tecnologia, aumentando a produtividade e reduzindo o desperdício de alimentos.
Com esse pano de fundo, entendemos que o Brasil permanecerá como protagonista no setor e as empresas bem postadas por aqui vão surfar esse cenário.
Para nós, 2022 tem tudo para ser ótimo. Nosso modelo de negócio tem o benefício de estar próximo do produtor rural em várias partes da cadeia, de forma diversificada — não dependendo somente da venda de insumos.
Como todo negócio, por mais promissor que seja, há riscos. Quais são eles?
Inevitavelmente, ainda estamos falando de um Brasil com cenário político ainda muito incerto. Por mais que o agro tenha uma realidade descolada no consumo interno, com uma alavanca global muito forte, as incertezas de Brasil continuam impactando de qualquer forma.
Por mais que não seja totalmente dependente de renda e consumo interno, ainda temos no País um cenário bem crítico para superar.
Do ponto de vista de commodities, que é um outro risco para a empresa, quando olhamos para frente a curva é negativa, apontando para preços mais baixos nos próximos meses. O mercado commde futuros mostra isso.
Contudo, na medida que tenhamos qualquer situação alarmante, como seca e crise hídrica, passamos a ter uma suavização dessa curva negativa, pois impacta a capacidade da oferta desses insumos. Pensando por esse ângulo, não só a 3tentos mas o setor como um todo está em uma posição privilegiada.