Uma introdução às finanças corporativas
A gestão financeira é peça fundamental para o sucesso de longo prazo de qualquer instituição. Esse é um tema amplamente debatido no mundo e muitos autores divergem em seus argumentos, o que torna a discussão rica e repleta de possibilidades.
Tim Vipond, CEO do Corporate Financial Institute (CFI) acredita que as finanças corporativas envolvem o planejamento e a implementação da gestão dos recursos da empresa através do balanceamento do risco e da rentabilidade.
Aswath Damodaran, professor de finanças na universidade de Nova York e autor de diversos livros sobre o assunto, argumenta que as finanças corporativas abrangem um contexto maior. O autor defende que todas as decisões tomadas por uma empresa têm implicações financeiras e todas as decisões que afetam as finanças do negócio são decisões de finanças corporativas.
Apesar da divergência de opiniões sobre o tema, grande parte dos autores concorda acerca do objetivo das finanças corporativas: maximizar a geração de valor para o acionista no longo prazo.
Para atingir o objetivo almejado, o encarregado pela gestão financeira da companhia (geralmente o CFO) deve atuar em três grandes áreas de decisão.
O primeiro âmbito de atuação do CFO diz respeito às decisões de investimento da empresa. Estas determinarão a distribuição de ativos da companhia e independente do modelo de negócio e da etapa em que a empresa se encontra no ciclo de vida do empreendimento, as decisões serão guiadas pelo objetivo maior de maximizar o valor para o acionista.
Consideremos a seguinte situação:
Uma empresa de tecnologia recém estruturada está em fase de amplo crescimento. O valor da companhia está em seus futuros projetos e investimentos. O papel do CFO neste momento é reinvestir parte do lucro da companhia nos projetos que trarão a rentabilidade almejada no longo prazo.
Agora consideremos uma empresa que compete na indústria do tabaco e se encontra na fase de maturidade do empreendimento.
Muito provavelmente esta empresa não possui projetos internos com alta IRR (taxa interna de retorno) e qualquer investimento em projetos pouco rentáveis pode comprometer a rentabilidade futura da empresa.
Neste caso, parte do lucro pode ser retirada do negócio através do pagamento de dividendos ao acionista.
Repare que nos dois casos a decisão do CFO tem o mesmo objetivo, maximizar o valor para o acionista no longo prazo. No primeiro caso, onde a empresa reinveste em projetos internos, a distribuição de dividendos comprometeria a capacidade de crescimento da empresa, o que muito provavelmente levaria a queda da rentabilidade no longo prazo. No segundo exemplo, caso o CFO optasse por investir em projetos internos com baixa IRR, a rentabilidade de longo prazo da empresa também seria comprometida.
A segunda grande área de decisão financeira da corporação envolve as decisões de financiamento. Neste caso, os gestores procuram planejar a captação de recursos para a realização dos investimentos anteriormente mencionados.
Existem basicamente duas formas de financiar um investimento:
A primeira forma é através de capital próprio. Neste caso, a empresa emite ações que são comercializadas no mercado financeiro através do mercado primário.
A segunda forma de captar recursos é através do capital de terceiros. Este capital pode ser obtido por meio de empréstimos e financiamentos (bancos) ou pela emissão de títulos de divida (debêntures).
Existem algumas diferenças relevantes que valem ser mencionadas:
Em primeiro lugar, os credores possuem uma série de vantagens em relação aos acionistas em termos de conhecimento do valor a ser recebido pelo empréstimo e prioridade de pagamento em caso de liquidação ou encerramento das atividades da empresa.
Para exemplificar, consideremos a seguinte situação:
Uma empresa está implementando um projeto e para isto é necessário captar recursos.
Ao contatar um banco, a empresa recebe uma proposta de empréstimo onde terá de pagar uma taxa de juros (geralmente representada por um índice somado a uma taxa fixa). Neste caso o banco sabe quanto receberá caso efetue o empréstimo, podendo inclusive solicitar garantias de pagamento.
Vale lembrar que neste caso a empresa também usufrui de um benefício importante.
O pagamento de juros em dívidas onerosas pode ser deduzido do lucro operacional para o cálculo do Imposto de Renda pago pela empresa, o que reduz o custo da dívida e torna, muitas vezes, o capital de terceiros uma forma interessante de financiamento das atividades.
Caso a empresa opte por captar recursos junto aos acionistas, os investidores não possuem garantia de pagamento e comprarão participação na companhia com expectativa de ganhos futuros.
Existem duas formas de remuneração para o acionista, os ganhos de capital e os dividendos.
Ganhos de capital referem-se à diferença de preço de venda e de compra da ação, enquanto dividendos são os pagamentos periódicos de parte do lucro líquido da companhia.
Perceba que no caso dos acionistas, as duas formas de remuneração são incertas, pois a cotação futura da ação pode estar abaixo do preço de compra e a empresa não possui a obrigação legal de pagar dividendos.
Fica claro que os riscos atribuídos aos acionistas são maiores do que os riscos atribuídos aos bancos de crédito e, portanto, o retorno exigido pelos acionistas tende a ser maior.
Este dilema acerca das formas de financiamento (recursos próprios ou de terceiros) leva a uma terceira importante área de decisão das finanças corporativas, a estrutura de capital.
Decidir qual será a estrutura de capital da empresa é uma tarefa complexa que exige amplo conhecimento do negócio e da situação macroeconômica do país.
Cada modelo de negócio demanda uma estrutura de capital que equilibre o capital próprio e o capital de terceiros de maneira a reduzir o custo de capital da empresa sem comprometer os fluxos de caixa, maximizando a rentabilidade no longo prazo.
É importante ressaltar que o custo de capital da empresa não deve ser minimizado, e sim, reduzido, pois muitas dívidas onerosas podem comprometer o fluxo de caixa da empresa a ponto de inviabilizar a operação.
Um levantamento feito pelo Centro de Estudos do Ibmec (Cemec) em 2016 mostrou que em um cenário de crise econômica, a geração de caixa das empresas pode ser comprometida levando empresas muito alavancadas à falência ou recuperação judicial.
No grupo de 605 grandes empresas estudadas, a geração de caixa era capaz de pagar menos de 60% dos juros das dívidas onerosas e as companhias focavam seus esforços em evitar a falência ou uma possível recuperação judicial.
Uma estrutura de capital condizente com o modelo de negócio da empresa pode ser um grande diferencial para o crescimento sustentável de longo prazo.
Entendidas as áreas de decisão das finanças corporativas, podemos agora analisar casos reais que mostram a complexidade e a importância de uma boa gestão financeira para a empresa.
Em março de 2018, a fabricante de telhas Eternit entrou em recuperação judicial. Tal fato foi consequência de uma gestão financeira ruim principalmente em termos de decisões de investimentos.
A empresa de mais de 70 anos se tornou líder em fabricação de telhas e uma das maiores exportadoras de amianto do mundo devido ao grande número de minas de amianto que a companhia detinha.
Porém, há mais de duas décadas, as discussões acerca dos malefícios do amianto têm se intensificado e a OMS declarou que a substância é cancerígena. Com a declaração, o número de países que proíbe o uso do amianto vem crescendo consideravelmente e o modelo de negócio da companhia vem se mostrando falho.
Em meio a esse cenário, as empresas concorrentes passaram a investir em matérias primas alternativas para a fabricação de telhas enquanto a Eternit era conhecida por pagar dividendos acima da média do mercado.
O pagamento excessivo de dividendos não era a decisão que maximizaria o valor para o acionista da companhia no longo prazo e acabou levando a empresa a entrar com pedido de recuperação judicial.
Um caso clássico que se assemelha a este ocorreu com a gigante da fotografia Eastman Kodak que também entrou com pedido de recuperação judicial por má gestão das finanças corporativas.
A empresa centenária liderou o setor contribuindo imensamente para a popularização da fotografia. Seu fundador, George Eastman foi o inventor do filme fotográfico, produto que facilitou o acesso à fotografia ao público geral.
Eastman tinha o desejo de tornar a fotografia “tão conveniente quanto um lápis” na época em que este produto era pouco acessível. Rapidamente ganhou grande parcela do mercado e o filme fotográfico se tornou seu principal produto.
Décadas depois, a empresa inventou e chegou a produzir câmeras digitais, mas subestimou a capacidade do novo produto e foi contra os ideais de seu criador na tentativa de não perder a receita recorrente dos filmes fotográficos.
Com o ingresso das câmeras digitais no mercado, a conveniência almejada por Eastman se aproximou da realidade, porém foram os concorrentes que usufruíram das decisões equivocadas dos gestores da Kodak.
As receitas dos filmes fotográficos caíram vertiginosamente culminando no pedido de recuperação judicial apresentado em 2013 para o governo americano.
O pedido foi negado, porém a empresa conseguiu empréstimos para reinventar seu negócio junto a três bancos de Wall Street (JPMorgan, Bank of America e Barclays).