Sete pecados que o investidor pode combater com sete virtudes
Mais do que uma questão de inteligência e preparo técnico, investir é uma questão comportamental. Agir por impulsos ou por inércia, seguindo o que a maioria dos especuladores está fazendo, raramente conduz a bons resultados. Assumir o centro de controle das próprias decisões, deixando as emoções de lado, é o grande desafio de cada acionista.
Vivemos numa época de contínua secularização – termo utilizado pelos sociólogos para descrever a perda lenta e gradual da influência das religiões e das instituições tradicionalistas nas diversas esferas do cotidiano. Das relações interpessoais aos sistemas políticos e jurídicos, o relativismo vem se impondo a cada geração, no qual nada é taxado como pecado absoluto e, portanto, nada é condenado e punido com veemência.
Cada vez mais as pessoas deixam de lado os livros sagrados e mesmo os códigos penais, passando a orientar suas decisões pela vontade própria ou pelo senso comum, muitas vezes confundido com o bom senso. Mesmo na cultura popular, as antigas histórias em quadrinhos de super-heróis, baseadas na dicotomia entre o bem e o mal, tratadas com cores vivas e chapadas, deram lugar a enredos mais sombreados, literalmente, emprestando qualidades para vilões e revelando as fraquezas de quem deveria combatê-los.
Quando o suspeito de tráfico transnacional de drogas – com dupla condenação por órgão colegiado – é liberado de sua prisão preventiva por um juiz da suprema corte, alegando que a formação da culpa só ocorre após o trânsito em julgado, após todos os recursos de todas as instâncias terem se esgotado, o recado para sociedade ecoa o princípio thelemita:
– Faz o que tu queres. Há de ser tudo da lei.
Certo. Falta apenas combinar com a Natureza e com o Mercado. O ser humano é criatura da primeira e criador do segundo, interage com ambos e está sujeito às respostas ocultas e inevitáveis que ambos lhe impõem com o passar do tempo.
Em termos de saúde física e mental, os pecados podem ser compreendidos como vícios e comportamentos nocivos com prejuízos cumulativos, em primeiro lugar, para quem os pratica. A má alimentação, o sedentarismo, o cultivo de pensamentos negativistas, a ênfase em atitudes destrutivas, os abusos de substâncias entorpecentes: tudo isso causa danos para o indivíduo no curto, médio e longo prazo.
Podemos espelhar isso no campo dos investimentos. Sempre que o investidor perde o seu centro de tomadas de decisões, ele assume riscos variados que podem lhe prejudicar ao longo dos dias, semanas, meses e anos.
Para a saúde e para os investimentos de cada um, não existe o Dia do Julgamento Final. Não existe um corpo de jurados, nem anjos ou demônios externos. Estamos sozinhos, no meio da multidão. Tanto a Natureza quanto o Mercado parecem indiferentes a nós. No entanto, não cabe qualquer traço de ilusão: vícios e pecados podem ser relativizados, mas isso não evita os danos que estes causam.
Mesmo sem recorrer a livros sagrados, com seus ditames universais – e mesmo sem cultivar histórias onde o bem sempre vence o mal – devemos perseguir as virtudes para cuidar de nossa saúde e de nossos investimentos, mesmo que isso contrarie o senso comum. Seja na Natureza, seja no Mercado, o grande pecado é ignorar que os pecados existem.
Paradoxalmente, embora as novas gerações refutem o seguimento de regras maniqueístas, em nome de uma sociedade regida por relações cada vez mais complexas, variadas e líquidas, abrem-se lacunas cada vez maiores a serem preenchidas por líderes carismáticos, vistos como pessoas de fora do status quo a ser criticado.
Ao cristalizarem soluções simplistas para questões profundas, estas lideranças sedutoras e populistas apontam para direções que nem sempre levam seus seguidores para caminhos seguros. O que é facilmente perceptível em termos políticos, vale também para o ambiente das finanças, com seus gurus da prosperidade e fórmulas secretas para o enriquecimento rápido, que apenas funcionam para eles mesmos.
Portanto, o desafio do investidor é indissociável do desafio que o cidadão enfrenta na pós-modernidade: é preciso saber ler a conjuntura e a si mesmo, reconhecendo as próprias fraquezas para combatê-las com as próprias qualidades – algumas adormecidas, outras que podem ser aprimoradas.
Longe de esgotar o assunto, apresentamos a seguir alguns pecados que os investidores podem cometer, bem como as virtudes que eles precisam cultivar para suplantá-los.
I – Euforia versus autocontrole
O estado de euforia, por si só, não é algo negativo, pois este sentimento de bem-estar e empolgação muitas vezes é relacionado a momentos de felicidade, nos quais o otimismo temperado pela alegria desagua na descontração. O problema é quando este estado é despertado artificialmente, não por um nobre objetivo alcançado, mas por alguma substância química ou por um discurso motivacional contagiante, que deixa o indivíduo com uma falsa confiança traduzida em despreocupação.
O investidor tomado pela euforia – que por vezes pode ser exponenciada por um conjunto de investidores comprando ações de uma empresa se destacando no Mercado – pode ignorar os riscos de comprar algo sem a devida margem de segurança, pagando caro por um ativo que pode não entregar os retornos esperados.
É a euforia desenfreada de um grande contingente de investidores, convertidos em especuladores, que faz inflar as bolhas que ocorrem de tempos em tempos nas Bolsas ao redor do mundo – cujas histórias mais impactantes o leitor pode conferir no livro “As Dez maiores Bolhas de Todos os Tempos”, de Tiago Reis.
Para não ser refém da euforia, cabe ao investidor desenvolver o autocontrole, que o fará se despir das emoções que atrapalham seu julgamento durante a análise de um ativo financeiro. Os episódios de euforia devem ser guardados para eventos esportivos, salas de cinema e para conquistas pessoais. Diante do Home Broker é a frieza dos números que deve nortear o critério da oportunidade da compra de ações com descontos ou valores justos.
II – Ira versus técnica
Uma das emoções mais comuns entre diversos povos, em diferentes épocas, é a raiva. As pessoas que externam descontroladamente a raiva entrelaçada ao sentimento de ódio são tomadas por acessos de ira – algo muito comum de se ver não apenas no ambiente das Bolsas de Valores, como também no até então pacato reduto da renda fixa.
Por exemplo, dez entre dez educadores financeiros recomendam aplicações no Tesouro Selic para composição de reserva de emergência ou reserva de oportunidades para investimentos mais rentáveis. Ocorre que, em setembro de 2020, após 18 anos, esta aplicação fechou em queda pela primeira vez, devido às contingências ligadas aos gastos governamentais elevados em função da Pandemia do Coronavírus.
Muitos aplicadores conservadores, tomados pela ira, venderam suas posições (realizando prejuízos) no Tesouro Selic, retornando recursos para a famigerada Caderneta de Poupança ou buscando alternativas em bancos intermediários para rentabilizar o capital com base na equiparação ao CDI.
Se tivessem ignorado a raiva que sentiram daqueles educadores financeiros – alguns igualmente surpreendidos com a situação – e simplesmente não tivessem feito nada, estes indivíduos estariam protegidos pela pactuação da taxa de juros ofertada no momento do aporte no Tesouro Selic, garantida para quem carrega a aplicação até o seu vencimento.
Além do mais, se tivessem conhecimento técnico a respeito dos títulos públicos, estes conservadores irados saberiam que o Tesouro Selic também está sujeito à marcação de mercado. Então, o que não se aprende enfadonhamente na teoria, pode ser assimilado com bronca, na prática.
III – Orgulho versus humildade
Graças à Internet, a nova geração de investidores tem ao seu dispor uma avalanche de conteúdos sobre o Mercado que, antigamente, eram restritos a um círculo fechado de operadores financeiros. Hoje, certos novatos assistem a dezenas de vídeos no YouTube e, quando muito, folheiam alguns livros sobre o assunto. Porém, a despeito disso, já se sentem preparados para comprar e vender ativos em renda variável, a ponto de dispensarem os serviços profissionais de acompanhamento da Bolsa, para auxílio na tomada de suas decisões.
Esse tipo de orgulho potencializado com autossuficiência os coloca como vítimas do efeito Dunning-Kruger, no qual as pessoas, mesmo sem o devido preparo para lidar com um tema, confiam demasiadamente nos parcos aspectos digeridos sobre a atividade em questão, os levando a cometer erros de avaliações que, na Bolsa de Valores, custam muito caro.
No Mercado, o conhecimento técnico e teórico leva tempo para ser sedimentado. Mesmo investidores experientes e bem-sucedidos podem padecer diante de posturas orgulhosas, quando se recusam a debater aproximações sobre determinados ativos com outros investidores quando, a partir do contraditório, poderiam rever suas posições e, com isso, proteger melhor suas economias.
Warren Buffett, por exemplo, mudou gradualmente sua estratégia de investimentos a partir da influência de seu amigo Charlie Munger. Discípulo de Benjamin Graham, Buffett praticava um Value Investing baseado no desconto das ações frente aos valores intrínsecos das empresas, pouco importando a qualidade de suas gestões. Munger demonstrou que era melhor pagar um preço justo por uma ótima empresa, do que pagar um ótimo preço por uma companhia apenas mediana.
Buffet só pôde aprender algo com Munger por causa de sua humildade – não aquela relativa a coisas simplórias e de recursos limitados, mas aquela que impede a pessoa de ser soberba, abrindo seu entendimento para novos aprendizados. No campo dos investimentos podemos aprender sempre, desde que tenhamos humildade para reconhecer que não sabemos tudo. Não por acaso, Buffett e Munger nos ofertam lições de valor que vão além de suas inigualáveis trajetórias.
IV – Ilusão versus racionalidade
A propaganda, exibida antes do vídeo que você queria assistir, mostra um jovem com feições de adolescente apertando o botão do chaveiro eletrônico de seu Porsche: ele alega que comprou o carro após ganhar dinheiro na Bolsa. Em outra ocasião ele está numa delicatéssen e demonstra que pagará pelo seu café da manhã realizando uma operação de Day Trade em tempo real, na tela de seu celular. Ao invés de bradar algo como “abracadabra” ou “sim salabim”, ele apenas sussurra:
– Acho que essa ação vai subir.
Qualquer pessoa em seu juízo normal sabe que isso é pura quimera, mas este sujeito consegue vender seu curso virtual, pois sabe explorar a vaidade dos incautos, dourando ilusões.
Obter retorno positivo na Bolsa de Valores é plenamente possível, desde que o investidor haja com racionalidade, adotando uma metodologia eficaz, já testada e comprovada por investidores de cabelos brancos. Quando se fala em racionalidade e método, não custa ler sobre René Descartes, o pai da matemática moderna e fundador da filosofia posterior à Idade Média.
V – Imediatismo versus paciência
No Mercado, o pecado do imediatismo é derivado do pecado da ilusão e seus danos podem ser igualmente irreversíveis. Não por acaso, o mito do enriquecimento rápido na Bolsa só não é mais forte que o mito sobre a Bolsa ser um cassino. Também pudera: muitas pessoas que mergulham de cabeça na Bolsa, querendo fazer fortuna instantânea, acabam quebrando em pouco tempo, vítimas das posturas especulativas.
A forma mais fácil de perder dinheiro na Bolsa é operar alavancado com derivativos, como os minicontratos futuros e opções de ações. O que potencialmente pode ser muito lucrativo é também altamente arriscado para o investidor individual, embora este tipo de movimentação seja muito rentável para as corretoras que incentivam esta prática.
O grande avanço tecnológico, verificado nos últimos séculos, permitiu ao ser humano alterar sua percepção sobre a passagem do tempo. Se antes o romance de Jules Verne, “A volta ao mundo em 80 dias”, encantou os leitores da Europa no século XIX; na década de 1970 o avião supersônico Concorde fazia a ponte aérea entre Londres e Nova York em menos de quatro horas. Correspondências que levavam meses para cruzar os oceanos, hoje podem ser trocadas de modo instantâneo pela Internet em qualquer parte do mundo.
Se o Mercado comprou essa velocidade em suas operações, a Natureza segue seu curso no tempo próprio, bem mais cadenciado. Na Economia real, as empresas que crescem de forma mais consistente o fazem num ritmo mais natural do que especulativo. Por isso, exercer a paciência é fundamental para o investidor, ciente de que o enriquecimento sólido vem no longo prazo. Deste modo, quando ele acredita num projeto promissor, segue sendo parceiro da companhia por vários anos antes de colher ótimos resultados.
VI – Ganância versus cautela
Quando misturada com o orgulho, a ganância pode fazer estragos até mesmo na jornada de investidores veteranos: basta que eles se apaixonem por uma ação que ostenta ótimos fundamentos, paga bons dividendos e faça juras de amor eterno com a prosperidade. A ganância ocorre quando o investidor passa a concentrar suas atenções e recursos apenas nesta companhia lucrativa, esquecendo de todo o resto, inclusive da mudança na direção dos ventos.
É o caso da Cielo, por exemplo. A empresa opera com serviços financeiros na condição de adquirente para diversas instituições, através de máquinas que efetuam vendas via cartões de crédito ou débito em todo o território nacional. Antes atuando de forma quase monopolista, a companhia teve, entre 2008 e 2016, crescimento de receitas e lucros líquidos. Parecia o case perfeito.
Com o ingresso crescente de concorrentes diretos em seu campo de atuação, as margens de lucro foram diminuindo para custear a liderança de marketshare, a ponto de Cielo apresentar, pela primeira vez, resultados negativos em 2020. A respeito disso, a Gabriela Mosmann gravou um ótimo vídeo com a análise dos principais indicadores da Cielo.
Houve quem acreditasse na retomada do crescimento da empresa, fazendo aportes recorrentes nas ações em queda da companhia. Quem fez isso, concentrando sua carteira em ações da Cielo, colecionou perdas substanciais de patrimônio líquido e renda passiva, uma vez que distribuição de dividendos secou nos últimos anos.
Aqui a ganância pode ser combatida com a cautela, na forma da diversificação de portfólio. Por melhor que pareçam os números de uma empresa, não há garantias de que os resultados passados serão esteio para resultados futuros. Ao distribuir seus recursos por ativos diferentes, de setores e tipos diferentes, em países diferentes, o investidor se protege de eventuais perdas concentradas ao compensá-las com o bom desempenho dos demais papéis de sua carteira.
VII – Preguiça versus disciplina
Se existe um verbo casado com o ato de investir, esse verbo é “estudar”. A leitura recorrente de bons livros, bons relatórios e informes oficiais das empresas e fundos diversos, que preenchem o foco de atenção do investidor, fará parte de sua rotina até o fim de seus dias.
O investidor preguiçoso, que não busca constante aprimoramento em sua jornada, será sempre dependente das dicas de terceiros. Mesmo para interpretar recomendações de analistas profissionais, para tomar as próprias decisões, é preciso ter um mínimo de compromisso com o que se intenciona fazer.
Além disso, não se pode atribuir apenas ao Mercado o crescimento do próprio patrimônio. O jovem investidor deve ter em mente que os aportes regulares a serem feitos, ao longo das décadas, só poderão ser incrementados caso ele tenha um bom desenvolvimento em sua carreira profissional. Logo, isso só será possível graças à disciplina.
A disciplina não é útil apenas para manter um investidor numa estratégia correta – afinal de contas, investir regularmente é a solução para todas as crises – mas essencial para seu crescimento pessoal.
Há vários modos de obter disciplina para evoluir na carreira e nos investimentos, dado que são objetivos interligados. Entre eles podemos destacar as práticas esportivas e religiosas, bem como os hobbies saudáveis, que despertam o aspecto intelectual das pessoas.
Conclusão
As religiões e filosofias nos ensinam que somos imperfeitos. Todos estamos sujeitos a cometer erros na vida, na carreira e na Bolsa. As falhas são inevitáveis, não importa o estágio de evolução de cada um. O que importa é ter consciência disso e buscar modos de contornar ou minimizar os efeitos negativos advindos de nossos pecados.
Seres divinos perdoam. Nossos pais perdoam. Amigos se perdoam. Mas a Natureza e o Mercado não. Por isso, mais do que temer as entidades que não podemos controlar, devemos respeitar suas imposições, controlando nosso comportamento diante das vicissitudes que nos cercam.
[Crédito da imagem: detalhe de “A criação de Adão” (1508-1515), afresco de Michelangelo (1475-1564) realizado no teto da Capela Sistina do Vaticano em Roma, Itália]