Resenha do livro: Pai Rico, Pai Pobre para ler sem preconceitos
Roberto Carlos ganhou a alcunha de “Rei da Jovem Guarda” na década de 1960. Posteriormente seus milhões de súditos passaram a chamá-lo apenas de “Rei”. Entre a juventude moderninha dos anos 70 e 80, no entanto, pegava mal declarar-se fã de Roberto Carlos. Naquela época, era imperativo estar alinhado com gente mais progressista como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Elis Regina. A cantada na garota poderia ser feita com versos de “Sem lenço, sem documento”, mas o namoro era embalado por “Amada Amante” mesmo.
Com o livro “Pai Rico, Pai Pobre” acontece algo parecido. O livro é bom, vende muito bem, mas as pessoas não ficam declarando por aí que apreciam a sua leitura. Quem o faz numa roda de acadêmicos, provavelmente recebe de volta uma coleção de sorrisos amarelos e aqueles olhares de canto trocados entre os que se julgam superiores intelectualmente.
A questão principal é que a obra de Robert T. Kiyosaki – organizada por Sharon L. Lechter – bate de frente justamente com o conceito de educação formal que reina nas sociedades onde pais de família repetem para seus filhos o que seus avós já recomendavam: “Estude com afinco, tire boas notas e você encontrará um bom emprego com um salário alto”.
Para os autores de “Pai Rico, Pai Pobre”, que se conheceram durante a fase de testes para a patente do jogo de tabuleiro “CASHFLOW” concebido por Kiyosaki, é fundamental que as pessoas recebam educação financeira, com noções de contabilidade e investimentos, que as façam criar uma mentalidade empreendedora para buscar a liberdade perante a dependência de ofícios formais.
A Corrida dos Ratos
No jogo educacional citado no livro, os participantes iniciam disputando a “Corrida dos Ratos” no centro do tabuleiro. O objetivo é alcançar a pista externa, de alta velocidade, através da assimilação de conceitos de demonstração de renda e balanços financeiros, além das escolhas certas na compra e venda de ativos e passivos disponíveis na mesa.
O modus operandi da classe média é a que faz ficar presa constantemente na tal “Corrida dos Ratos”. O sujeito estuda para tirar boas notas e conseguir entrar numa boa faculdade. Como apenas um diploma já não é mais suficiente, muitos investem caro na pós-graduação para se colocarem no mercado de trabalho com um salário razoável. O namoro com alguém, também assalariado, gera a necessidade de se preparar para o casamento, financiando um pequeno apartamento.
Especializações são feitas em busca de promoções no trabalho, pois com a chegada dos filhos é preciso trocar o apartamento por uma casa maior. Carros maiores também são necessários e o casal se esforça para ter aumentos de salários, pois será preciso pagar boas escolas para os filhos, que serão incentivados a tirar boas notas para reiniciar o ciclo denominado como “Corrida dos Ratos”.
Salários maiores possibilitam carros maiores e casas maiores, significando impostos maiores.
Os aumentos salariais estão relacionados aos aumentos das despesas e, por isso, muitas famílias não tem a capacidade de economizar para investir o excedente. Na verdade, falta para muitos inclusive o objetivo de poupar, uma vez que o foco destas pessoas está em planejar as próximas férias, a próxima troca do automóvel e a quitação da hipoteca da casa própria. A leitura de “Pai Rico, Pai Pobre” é provocativa ao propor a quebra deste círculo vicioso.
Dois pais – duas visões de mundo
Kiyosaki cresceu no estado americano do Havaí. Seu pai pobre era seu pai biológico, um funcionário público que insistia que o filho deveria estudar para conseguir um bom emprego. O pai rico da história era um empresário e investidor, pai de um amigo de infância do autor, que acaba sendo seu mentor intelectual ao lhe oferecer um emprego informal nos fins de semana, pelo qual os garotos quase nada recebiam monetariamente.
Logo fica evidente uma das grandes lições que a obra deseja transmitir: os ricos não trabalham pelo dinheiro, pois os ricos trabalham para aprender. O conceito de renda é dissociado do trabalho, pois a renda que importa não é a renda trabalhada, mas a renda passiva oriunda da obtenção de ativos. O objetivo de trabalhar deve estar relacionado a obter conhecimento para incorporação de ativos, mais do que esperar por um salário – que será útil na medida em que possibilite a geração de poupança para futuros investimentos.
Ativos versus passivos
Para Kiyosaki, o caminho para alguém ficar rico passa pela alfabetização financeira que as escolas convencionais não entregam aos seus alunos. O indivíduo precisa compreender inicialmente a diferença de fluxo de caixa entre ativos e passivos. O que são ativos? Tudo aquilo que gera renda para o seu possuidor. O que são passivos? Tudo aquilo que gera despesa para o mesmo ente.
Pessoas da classe média, que dependem de empregos e concentram passivos em seus balanços financeiros, não conseguem acumular recursos, pois o dinheiro do salário se vai com impostos retidos na fonte, com a hipoteca da casa própria, alimentação, vestiário e diversão, além de empréstimos e uso descontrolado do cartão de crédito.
Aqueles que priorizam a aquisição de ativos apresentam um balanço financeiro diferente, pois os ativos geram renda não trabalhada, na forma de dividendos oriundos de ações compradas em Bolsa de Valores, juros de empréstimos para o governo (títulos públicos) ou para empresas (debêntures), aluguéis de imóveis e royalties de propriedades intelectuais.
Se aquele com excesso de passivos apresenta renda trabalhada similar às despesas, aquele que tem como prioridade a obtenção de ativos geradores de renda consegue, com o tempo, gerar mais excedentes que podem ser reaplicados na obtenção de mais ativos, até o ponto em que a renda oriunda dos ativos supere as perdas inflacionárias e as despesas ordinárias, conferindo a liberdade financeira para o segundo.
Para os sujeitos presos na “Corrida dos Ratos”, o eventual aumento de renda trabalhada é anulado pelo aumento das despesas e da coluna de passivos no balanço financeiro. Se a elevação do padrão de vida não for refreada a cada promoção no trabalho, não há como romper com o ciclo de trabalhar para terceiros, pagar impostos excessivos para os governos e aferir lucros aos bancos que lhe financiam os passivos.
Devemos assumir o leme de nossas carreiras
Os autores de “Pai Rico, Pai Pobre” demonstram que os tempos de estabilidade no emprego com salários altos acabaram. Buscar segurança num trabalho não é uma opção que possa ser considerada. Mesmo aqueles que são atuantes no próprio negócio precisam ir além daquilo que a atividade lhes remunera, pois se esta depende do indivíduo para ocorrer, cessará na ausência temporária ou definitiva deste.
Numa escala evolutiva, empregados e autônomos devem passar para o lado daqueles com a mentalidade de empresários e investidores.
Atue como pessoa jurídica se isto ajudar a pagar menos impostos
Escrevendo para a realidade norte-americana, Kiyosaki recomenda que as pessoas façam a gestão de seus ativos e passivos através da criação de sociedades anônimas, capazes de absorver gastos pessoais e despesas familiares. Ele afirma que os empregados ganham dinheiro, pagam os impostos e depois gastam. Nas sociedades anônimas as pessoas ganham dinheiro, gastam, e somente depois pagam os impostos, de modo descontado, pois o montante é diminuído pelos gastos.
No Brasil, nosso regime tributário é diferente, mas o conceito de pensar as despesas do lar de modo empresarial é pertinente. Aqui existem possibilidades de criação de pessoas jurídicas, que englobam os microempreendedores individuais, que permitem a inclusão de algumas despesas comprovadas resultando no abatimento de impostos, dependendo de cada caso, embora o livro não aborde isso para os brasileiros.
É preciso gerar riqueza
Para quem deseja operar em Bolsa de Valores, a leitura de “Pai Rico, Pai Pobre” pode ser um pouco decepcionante, pois Kiyosaki oferece mais exemplos de como gerar riqueza através de negociações imobiliárias. Apesar de citar as ações como ativos que devem ser incorporados, este não é um livro específico sobre o mercado financeiro, sendo mais um alerta para leigos que sentem aquela ansiedade para mudar de estilo de vida e não sabem por onde começar.
A geração de riqueza depende de inteligência financeira que possibilite ao seu portador realizar negócios sem necessariamente aportar dinheiro neles – e daí vem os exemplos de transações imobiliárias que o autor fez intermediando as duas pontas do negócio. Em Bolsa, poderíamos classificar Kiyosaki mais como um agente de “Growing Investments” do que um adepto do “Value Investing”. No livro, ele relata associações feitas com empresas pequenas, antes delas realizarem aberturas de capital no mercado financeiro – revelando um nível de sofisticação em negócios pouco acessível aos inexperientes.
Pacote motivacional
Um dos motivos pelo qual “Pai Rico, Pai Pobre” é criticado, é o seu caráter de autoajuda relacionado com os conselhos motivacionais para a superação de obstáculos – entre eles o medo, o ceticismo, a preguiça, os maus hábitos e a arrogância – que impedem as pessoas de ingressar na “Pista de Alto Rendimento”, deixando a “Corrida dos Ratos” para trás. Os próprios termos metafóricos, citados em aspas anteriormente, corroboram isso.
O livro tem um “Q” de caça-níquel, verificado na série de outros livros que começam com o mesmo título, oferecendo um desdobramento de algum tema específico abordado na obra original. Porém, mesmo que o leitor esteja ciente disso, poderá assimilar algumas lições valiosas, inseridas em episódios biográficos do autor principal.
Entre os conselhos ácidos de Kiyosaki está o cuidado na seleção dos amigos, como se isto fosse uma decisão racional e despida de sentimentos. Para ele, a convivência com pessoas que compartilham conhecimento prático e cultivam atitudes positivas é melhor do que desperdiçar tempo e energia com pessoas pessimistas e que conservam ideias superadas. Para o autor, o poder da associação é fundamental para revelar boas oportunidades de negócios.
Outro conselho memorável da obra é: “pague a si mesmo primeiro”. Esta atitude, alusiva à autodisciplina, é uma das mais difíceis de ser assimilada por quem está mergulhado em contas para pagar. Aqueles que conseguem se pagar, antes de pagar terceiros, aprendem a fazer boa gestão de fluxo de caixa para reinvestir seus excedentes, ao passo que sabem fazer, também, a gestão pessoal do tempo.
Um livro de entrada que não deve ser o único
Se um investidor experiente e bem-sucedido ler “Pai Rico, Pai Pobre” pela primeira vez, terá a impressão de que o livro é um amontoado de obviedades. O seu sorriso amarelo, quando lhe perguntarem se apreciou a leitura, será absolutamente compreensível, dado que não será fruto de soberba. Porém, para o leigo que trabalha arduamente e não vê progresso em sua conta corrente, a leitura dos conselhos de Kiyosaki pode representar um divisor de águas.
Investir em ativos e reduzir os danos dos passivos: eis a nova missão. Para tanto, a leitura de vários outros livros é recomendada. O tempo gasto na leitura de bons livros sobre investimentos não é um gasto, é também um investimento. Não basta ler apenas um livro. Não basta ler os resumos e as resenhas dos livros. O melhor deles só pode ser absorvido com leituras plenas. Não deixe os livros nas prateleiras. Leve eles para o seu criado-mudo.