Acompanhando nossos textos, você já deve ter reparado que defendemos exaustivamente a filosofia de investimento em valor (do inglês, Value Investing). Essa filosofia foi criada por Benjamim Graham e David Dodd no Século XX, e seus princípios e fundamentos foram difundidos pelo mundo através de seu livro Security Analysis, publicado em 1934.
Graham defende inúmeros princípios que, quando seguidos de maneira racional e consistente, podem trazer aos investidores retornos de longo prazo muito superiores à média do mercado. Entretanto, apesar de simples, nem sempre conseguimos seguir os princípios por serem, muitas vezes, contrários à natureza humana e aos princípios difundidos pelas teorias financeiras modernas.
Não concordo integralmente com boa parte das teorias financeiras modernas, uma vez que elas vão contra a filosofia de investimento em valor, que é o cerne do pensamento dos maiores investidores do mundo. Eu poderia citar dezenas de investidores multimilionários que seguem tais princípios, mas acredito que nomes como Warren Buffett, Ray Dalio, Charlie Munger e Peter Lynch sejam suficientes.
Um investidor e escritor muito menos conhecido, mas que também admiro, Vitaliy Katsenelson, publicou em seu blog, Contrarian Edge, um podcast que resume muito bem os principais princípios do investimento em valor, ressaltando 6 mandamentos importantes. No presente texto, apresentarei brevemente os mandamentos pela visão do escritor russo.
1 – Ações são frações de empresas
Muitas pessoas que estão começando a conhecer o mercado de capitais olham para as ações como uma oportunidade de lucrar no curto prazo. Eles esquecem que os lucros provenientes das ações, na verdade, advém de empresas cujas operações são lucrativas.
Para investir no mercado de capitais, devemos olhar para as empresas que estão por trás das ações, pois elas são as únicas responsáveis pelos retornos dos investimentos. Os indivíduos que buscam retornos no mercado de capitais através da valorização dos papéis no curto prazo não são investidores, são especuladores.
2 – Horizonte de planejamento de longo prazo
Os retornos que um investidor pode obter de uma ação são provenientes de uma das três seguintes fontes: expansão de múltiplo, crescimento dos lucros ou pagamento de proventos (dividendos e juros sobre o capital próprio).
A expansão de múltiplo está intimamente ligada à expectativa do mercado e, portanto, é finita. O mercado não pode elevar suas expectativas indefinidamente de maneira sustentável. Quando temos uma expansão muito significativa, geralmente temos uma bolha de mercado.
O crescimento de lucros e o pagamento de dividendos são as maneiras mais sustentáveis de retornos para o acionista, e estas duas formas são dependentes do tempo. Quanto maior o horizonte de planejamento, mais tempo a empresa terá para desenvolver suas atividades, trazendo lucros e dividendos que serão repassados de alguma forma para os acionistas (elevação na cotação, recompra de ações ou pagamento de proventos).
3 – O Sr. Mercado deve nos servir, saiba quem é o chefe
O mercado precifica ações diariamente, mas ele não avalia o valor justo diariamente. No longo prazo (entenda anos, não dias ou meses), o mercado irá avaliar o preço justo da ação. Mas, no curto prazo, os movimentos dos preços das ações são aleatórios.
Apesar da aleatoriedade, a mídia sempre encontrará uma explicação racional para o movimento, entretanto, tentar entender a aleatoriedade e prever movimentos do mercado no curto prazo é como tentar ter uma conversa inteligente com uma criança de dois anos de idade. Pode ser divertido, mas consumirá boa parte do seu tempo e energia, e o resultado está longe de ser certo.
Cabe ao investidor utilizar a precificação dos ativos que o mercado oferece em favor próprio. Não há necessidade de negociar diariamente, assim, o investidor deve negociar apenas quando lhe convém, ou seja, quando o preço dos ativos que lhe interessam é muito inferior ao seu valor intrínseco. Quando este não é o cenário, o investidor deve ser paciente e aguardar.
4 – Margem de segurança garante espaço para erro no preço de compra
Qualquer avaliação de empresas é baseada em premissas que podem se mostrar erradas no futuro. Nenhuma avaliação pode ser considerada correta, pois depende de eventos futuros que não temos como prever.
Sempre que buscamos o valor justo de uma empresa, precisamos considerar uma margem de segurança satisfatória para a realização do investimento, para evitar a perda permanente de capital.
Quanto maior for o risco e as incertezas associadas ao investimento, maior é a margem de segurança necessária para que o investidor realize o aporte com tranquilidade.
5 – Risco se relaciona à perda permanente de capital
A academia e suas teorias modernas das finanças tentam quantificar o risco através de um indicador conhecido como beta (β). O grande problema deste indicador é que ele considera apenas a volatilidade passada para indicar o risco do investimento.
Entretanto, em primeiro lugar, os dados passados não podem ser considerados como garantia de eventos futuros. Em segundo lugar, risco é um elemento qualitativo e não pode ser quantificado através de um número.
Não temos como quantificar, por exemplo, a possibilidade de uma disrupção tecnológica revolucionar uma indústria, e a volatilidade passada não indica tal possibilidade.
6 – No longo prazo, as ações caminham para o valor justo
O movimento diário do mercado de ações é imprevisível. Diversos agentes de mercado estão comprando e vendendo ativos com inúmeros objetivos distintos, que são responsáveis por ditar as variações de preço no curto prazo.
Entretanto, no longo prazo, o preço tende a acompanhar o crescimento da empresa em termos de lucros e fluxos de caixa. Isso se deve ao fato de que os lucros não passam desapercebidos por muito tempo, o que faz a cotação do ativo corrigir em linha com o valor justo no longo prazo.
Assim, quando consideramos o investimento segundo a filosofia de investimento em valor, devemos sempre considerar o longo prazo para que possamos usufruir da valorização do papel no sentido de atingir o valor justo.