Graham e Dodd: As três funções da análise
Benjamin Graham e David Dodd são autores do livro “Security Analysis”, considerado por muitos a bíblia do investimento em valor. Numa parte dessa obra, Graham e Dodd dissertam a respeito das três funções da análise.
Acredito que seja interessante compartilhar com todos a visão destes dois mestres do investimento em valor sobre o cerne de uma das principais atividades do mundo dos investimentos: a análise de ativos financeiros.
Análise, num sentido amplo, diz respeito ao estudo cuidadoso de fatos disponíveis para conhecimento geral. Trata-se de uma tentativa de alcançar conclusões baseadas em premissas estabelecidas, aliadas ao raciocínio lógico.
No entanto, quando se aplica a análise ao mercado de ações, um dos obstáculos que aparecem é o fato de que um investimento, por natureza, não é uma ciência exata. Isso também acontece no âmbito da medicina e do direito, por exemplo.
Em ambos, tanto as probabilidades quanto as habilidades individuais – que podem ser consideradas uma arte – são fatores importantes para determinar o sucesso ou o fracasso do processo.
De qualquer forma, nessas profissões, a análise não somente é útil como indispensável. Para o campo dos investimentos, isso provavelmente também se traduz como uma verdade.
Segundo Graham e Dodd, as funções da análise de ativos financeiros podem ser divididas em três partes principais: descritiva, seletiva e crítica.
FUNÇÃO DESCRITIVA
Em sua forma mais óbvia, a análise descritiva consiste em organizar fatos importantes relacionados a um ativo, para, em seguida, apresentá-los de maneira coerente e compreensível.
Um tipo mais “forte” de descrição busca revelar os pontos fracos e fortes de um ativo, comparando-o com outros similares, avaliando, ao mesmo tempo, os fatores que são mais prováveis de influenciar sua performance futura.
Análises deste tipo são aplicadas a quase todos os ativos financeiros, e podem ser consideradas como um complemento necessário, que se baseia em fatos, para aplicar um julgamento.
FUNÇÃO SELETIVA
Na função seletiva, a análise vai além e expressa julgamentos específicos. Ela busca determinar as circunstâncias nas quais um dado ativo deve ser comprado, vendido, mantido ou trocado por algum outro. Nesta parte, devem ser compreendidos vários conceitos, principalmente o do valor intrínseco e suas relações com outros fatores.
Neste sentido, Graham e Dodd dão um exemplo de julgamento analítico interessante, que faz parte da função seletiva da análise:
Em 1922, antes do boom do setor de aviação, a Wright Aeronautical Corporation tinha suas ações negociadas, na Bolsa de Nova York, por 8 dólares cada.
Ainda assim, ela pagava cerca de um dólar de dividendo por ação, além de reportar lucros de mais de 2 dólares por ação com certa consistência. E, melhor ainda: ela tinha mais de oito dólares por ação em ativos de caixa.
Neste caso, é possível ver claramente que o valor intrínseco da ação era substancialmente acima do preço que o mercado estava pagando.
Por outro lado, em 1928, as ações desta mesma empresa estavam sendo cotadas a US$ 280. O dividendo era de dois dólares por ação. Seus lucros eram US$ 8 por ação. O Net Asset Value (NAV) era de menos de 50 dólares por ação.
Um estudo deste cenário não demoraria muito para concluir que o preço que o mercado estava colocando neste ativo já considerava um crescimento futuro muito elevado. Portanto, o valor intrínseco era muito menor do que o preço que o mercado havia estabelecido.
É interessante observar que, em casos extremos, é possível saber se um investimento é interessante sem mesmo calcular numericamente o valor intrínseco.
FUNÇÃO CRÍTICA
Julgamentos analíticos são atingidos ao aplicar princípios aos fatos. O analista se preocupa, portanto, com a solidez e a praticabilidade dos princípios.
Além disso, ele também deve estar interessado em saber se as empresas relacionadas às ações analisadas obedecem às regulações adequadas e às práticas aceitas.
Deste modo, tomando como base a análise crítica, ele também deve se preocupar com as políticas corporativas que afetam os acionistas, pois o valor do ativo analisado pode ser amplamente dependente de atitudes tomadas pela gestão. Nesse sentido, são inclusas questões de capitalização do negócio, dividendos, políticas de expansão, política de remuneração, dentre outros fatores.
Nesse âmbito de vários fatores, as análises devem ser competentes o suficiente para expressar julgamentos críticos, buscando evitar equívocos, identificar abusos e proteger os que possuem os ativos financeiros analisados.