Já adianto que o assunto é polêmico.
Acredito que a maioria dos investidores e assinantes que nos seguem imaginem que para viver de renda com ações seja necessário receber um fluxo de dividendos tão grande a ponto de superar com folga as suas despesas mensais.
Por outro lado, existem aqueles investidores que defendem que a venda de ações como complemento de renda é uma estratégia válida, afinal você juntou dinheiro, rentabilizou este dinheiro, e agora quer aproveitá-lo.
Assim, caso determinada empresa não lhe pagasse os seus dividendos, você poderia “criar” a sua própria renda.
Aliás, este é um dos argumentos da teoria de Modigliani-Miller, que defende que a distribuição de dividendos tem efeito neutro na criação de valor ao acionista no longo prazo.
Será que faz sentido criar renda vendendo ações?
Ou apenas recebendo dividendos?
Ou uma combinação dos dois?
Principal e renda. Existe diferença?
Um argumento que os defensores dos dividendos utilizam é que os dividendos não corroem o principal, que são as ações propriamente ditas. Luiz Barsi faz parte deste time.
Eles afirmam que quando você vende uma ação, você está dilapidando o seu patrimônio, enquanto que o recebimento dos dividendos não altera sua posição patrimonial.
Em uma medida, isto é verdade. Quando você vende ações, você se torna dono de um pedaço menor da empresa. Já os dividendos não afetam sua proporção de participação. Pelo contrário, se você os reinvestir, pode aumentar esta proporção.
Porém….
Quando se recebe dividendos de empresas listadas na bolsa de valores, ocorre um desconto na cotação da ação, que é igual ao dividendo ou juro sobre capital próprio (bruto) recebido por ação.
Ou seja, a posição patrimonial do acionista (cotação + dividendo) não se altera com a distribuição dos dividendos. Em outras palavras, é como se o preço de uma ação refletisse também a parcela do caixa da empresa destinada aos seus acionistas.
E assim, em um primeiro momento não podemos dissociar renda (dividendos) de principal (cotação), pois quando a renda é anunciada a cotação diminui imediatamente.
Exemplo
Imagine que uma determinada ação esteja cotada a R$ 20, e irá pagar um dividendo de R$ 1 / ação. Neste caso, na data-ex, a ação será cotada a R$ 19 e o acionista terá um dividendo a receber de R$ 1 / ação.
Ainda, suponha que você tenha uma participação de 10% nesta empresa. A empresa emitiu 1000 ações e você tem 100 ações.
Agora imagine uma outra empresa idêntica, cotada a R$ 20, na qual você também possui 10% (100 ações), mas esta empresa resolve não pagar dividendos, e sim, retem o caixa.
Neste caso, para você conseguir os mesmos R$ 100 de dividendos, você terá que vender 5 ações, reduzindo sua participação na companhia para 9,5%. Por outro lado, suas ações permanecem cotadas a R$ 20.
Suponha que nos dois casos o investidor gaste os R$ 100 gerados.
Assim, chegamos em dois casos:
Caso A: 100 ações a R$ 19. Patrimônio: R$ 1.900. Participação: 10%
Caso B: 95 ações a R$ 20. Patrimônio: R$ 1.900. Participação: 9,5%.
À primeira vista, parece que o Caso A é melhor do que o B, porque o patrimônio é o mesmo do que no caso B, mas a participação na empresa é 0,5% maior.
Ainda, nos dois casos o investidor termina com R$ 100 em mãos para gastar da forma como preferir.
Mas precisamos olhar com mais cuidado…
No caso da empresa B, a companhia terá R$ 1000 em caixa a mais do que na empresa A. Ou seja, se a companhia rentabilizar este caixa de maneira eficiente, o lucro por ação da empresa B poderá crescer a uma taxa maior do que no caso da empresa A, fazendo com que esta ação valha mais no futuro do que a ação A.
Desta maneira, o investidor B irá terminar obtendo um patrimônio maior do que o do investidor A.
Ainda, suponha que os dividendos da empresa A cresçam em linha com os lucros (payout constante).
Assim, no futuro o investidor B precisará vender cada vez menos ações para ter a mesma renda gerada pelo investidor A.
Exemplo 2
Digamos que no ano seguinte, a empresa A cresceu seus lucros em 10% e distribuiu R$ 1,10 por ação.
Por outro lado, o lucro da empresa B e a cotação cresceram 37,5%. Portanto, o preço da ação B atingiu R$ 27,50.
Desta forma, o investidor A receberá R$ 110 em dividendos enquanto o investidor precisará vender R$ 110 / R$ 27,50, ou seja, 4 ações. Portanto, houve uma redução de 25% no número de ações vendidas no ano seguinte.
Dito em outras palavras, se o investidor B vender 5 ações de novo, ele conseguirá gerar uma renda de R$ 137,5, maior do que a renda gerada pelo investidor A.
Ainda, com 90 ações (95 – 5) cotadas a R$ 27,50, o investidor B termina com um patrimônio de R$ 2.475, que é maior do que o patrimônio do investidor A (100 X R$ 19 * (1+10%) = R$ 2.090)
Logo, dependendo da forma como é realizada a venda de ações, e de quais ações ele escolhe, o investidor poderá terminar com patrimônio e renda maiores ao longo do tempo, mesmo que o seu número de ações (e a sua participação na empresa) estejam diminuindo.
O caso dos Endowments
Essa lógica apresentada acima é utilizada na gestão dos Endowments.
Nos Estados Unidos é muito comum as universidades montarem uma espécie de fundo de investimento (Endowment) para investir os recursos doados.
Ainda, é de praxe que estas universidades tenham como política a retirada de determinado percentual do Endowment para custear as despesas anuais.
Como estes fundos são organizados para durarem para a perpetuidade, e também a inflação costuma ser positiva, então é necessária uma rentabilidade mínima.
Por exemplo, digamos que a inflação seja de 5% e a retirada seja de 3% do patrimônio. Então é preciso uma rentabilidade nominal de no mínimo 8%.
Impostos
Ainda, na maioria dos países desenvolvidos, a tributação sobre ganho de capital é menor do que a tributação sobre dividendos. Além disso, as taxas de juros costumam ser menores.
Portanto, é comum que nestes países os dividend yields sejam menores e uma grande parcela da população opte por vender ações para complementar a sua renda.
Aqui no Brasil, os dividendos são isentos, assim como a venda de ações até R$ 20 mil ao mês.
Caso estes dividendos venham a ser tributados no futuro, a alternativa de vender ações para complementar a renda se tornará mais atraente, especialmente se a alíquota aprovada for acima de 15%.
Ainda, existem aqueles investidores que realizam prejuízos para coletar perdas (tax loss harvesting) e outros vendem e recompram as mesmas ações para aumentar o preço médio (cuidando sempre para que as operações do mês tenham resultado em prejuízo ou se em caso de lucro, que as vendas tenham sido abaixo de R$ 20 mil.)
Portanto, é possível reduzir bastante a carga fiscal incidente sobre o valor da venda das ações.
Custos de transação
Lógico que quando se vendem ações, é necessário pagar corretagem e outros custos de transação, o que não ocorre no recebimento de proventos.
Assim, quem utiliza uma corretora cara deve trocar para uma barata para que estes custos não se tornem proibitivos.
E se as ações estiverem em baixa?
Quem resolve vender ações, deve levar em conta, além dos custos de transação e impostos, o risco e retorno do portfólio após a venda das ações.
Assim, é mais inteligente vender ações que estejam sobrevalorizadas do que ações que estejam subavaliadas. Por isso, a disciplina do Valuation é fundamental.
Ainda, esta venda deve ser realizada de maneira tal a deixar o portfólio restante com um perfil de risco similar ao perfil anterior ao resgate.
O caso dos FIIs
A escolha para fundos imobiliários é mais simples. Na prática, não existe isenção de IR para ganhos de capital, e é muito mais difícil coletar perdas fiscais relevantes.
Ainda, os fundos são obrigados a distribuírem praticamente tudo que lucram e, portanto, a capacidade de uso da geração caixa pelos gestores é muito limitada, o que torna mais difícil uma estratégia perene de vendas de cotas.
Conclusão – é tudo questão de alocação de capital
No final das contas, o que irá ditar a capacidade de gerar renda de um investidor é a qualidade da alocação de capital, seja ele na forma de dividendos na mão do investidor, ou na forma de caixa na mão da empresa.
Portanto, usufruir os dividendos ou vender ações para gastar podem ser alternativas igualmente válidas, desde que o investidor consiga rentabilizar o seu capital da melhor maneira possível.
A estratégia de dividendos faz muito sentido para aqueles investidores que conseguem alocar o seu capital de maneira inteligente, adquirindo bons papéis a bons preços.
Ainda, vários desses investidores preferem seguir uma abordagem mais passiva de investimento, apenas comprando (e não vendendo) ações de dividendos, o que não tem problema nenhum.
Aqui no Brasil ainda temos yields elevados e uma legislação fiscal e societária favorável a este tipo de distribuição.
Por outro lado, existem diversas empresas em que é melhor deixar o dinheiro na mão dos gestores do que na mão do investidor.
Imagina o que seria dos acionistas da Berkshire se a empresa tivesse tido Payout de 100%. Provavelmente teriam acumulado uma pequena fração do que têm hoje.
Assim, o importante é encontrar negócios com alta rentabilidade. Em alguns casos, você será o responsável por direcionar o caixa excedente (dividendos), e em outros, será a função do gestor fazer isso.
O mais importante de tudo é fazer bons negócios.
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