Sempre que uma eleição presidencial se aproxima, uma série de sabatinas é feita entre os principais candidatos nos meios de comunicação. Canais de TV, rádio, jornais de grande circulação e portais da Internet: a agenda é competitiva para dar vazão a tantas entrevistas.
Tendemos a acreditar que, o que os candidatos falam aos jornalistas, colunistas e especialistas de cada veículo de comunicação, é algo espontâneo, que reflete o pensamento deles. Mas isso não é integralmente verdade: o discurso de grande parte deles é orientado pelo partido, por assessores de marketing e pesquisadores.
Em suma: eles tentam falar o que alguém considerou o que os eleitores em potencial querem ouvir. A cada campanha os temas mudam. Já se fez campanha de sucesso contra a privatização das estatais. Já se falou muito sobre os problemas do transporte público, da violência e da corrupção. Os temas que mais preocupam a população ouvida por pesquisadores entram na pauta nos debates.
Como em linhas gerais a população relata problemas concretos do cotidiano, grandes questões relacionadas a um projeto de nação ficam relegadas às mesas redondas que alguns canais transmitem de madrugada. Sobram salvadores da pátria, faltam estadistas.
Por exemplo: se as pessoas reclamam das filas nos postos de saúde e hospitais públicos, os candidatos falam em construir mais postos de saúde e hospitais, com programas de informática para agilizar o atendimento. Porém, quando se analisa quais doenças precisam ser tratadas, grande parte delas seria evitada se as cidades tivessem saneamento básico.
Questões tão ocultas quanto fundamentais
Você se lembra de algum candidato que propôs um grande plano nacional de metas para o saneamento básico das cidades?
O saneamento básico é primo irmão da urbanização. A falta de urbanização está relacionada com a violência que impera na periferia das cidades. E como os candidatos tratam o problema da violência? Discutindo se a população deve ou não ter o direito de se armar. Ao que parece, é isso que os eleitores querem ouvir.
O preço do óleo diesel está caro? Os governantes correm para atender as reivindicações dos caminhoneiros. Os candidatos criticam ou apoiam a gestão da Petrobras. E quem vai falar da necessidade de retomar os investimentos em ferrovias e hidrovias, para reduzir a dependência do transporte rodoviário?
O problema de construir um programa de governo baseado em metas plurianuais para saneamento básico, urbanização das cidades, construção de infraestrutura diversificada para transportes, sem falar nas reformas da educação e da previdência, além do sistema tributário, trabalhista, previdenciário, político e eleitoral; é que teoricamente isso não rende votos.
Como os mandatos são reduzidos e intercalados com eleições municipais, a cada dois anos o brasileiro entra numa letargia para discutir problemas de diversas esferas, pouco importando se a eleição é municipal, estadual ou federal.
Então, ao invés de usarem as campanhas eleitorais para o debate de questões estruturais da República, alguns candidatos escolhem alguém para bater, e não para debater. Já bateram nos militares, nos liberais, nos conservadores, nos privatistas e nos progressistas. A bola da vez parece ser o investidor da Bolsa de Valores. Enquanto isso, estes candidatos poupam a classe dos corruptos, talvez por serem misturados com a classe deles.
A culpa é de quem investe e empreende?
A gente liga a TV e o candidato pede para olhar diretamente para a câmera. Ele aponta o dedo e diz que vai propor a cobrança de impostos sobre os dividendos que as empresas distribuem aos acionistas.
Nesse jogo de colocar uns contra os outros, ele espera o aplauso da maioria, como se os problemas estruturais do Brasil fossem causados justamente por aqueles que financiam a iniciativa privada, a grande responsável pela geração dos empregos diretos e indiretos no mercado brasileiro de trabalho.
E esse candidato não está sozinho. Existem outros com discurso semelhante. Um discurso que parece ensaiado, cujas similaridades estão em se dirigir a “todos e todas” – como se “todos” não englobassem “todas” – e ao uso da controversa palavra “presidenta”.
Ironicamente, nas bancadas dos programas que entrevistam estes candidatos – e candidatas – ninguém rebate com o argumento de que as empresas já pagam impostos sobre a distribuição de JCP – Juros sobre o Capital Próprio – que é outra forma das empresas entregarem proventos aos acionistas.
Se alguém fala em bitributação, a resposta vem pronta e mastigada: “Todos os países cobram impostos sobre dividendos, menos o Brasil e a Estônia”. E fica por isso mesmo. O mediador passa a palavra para o próximo jornalista, como se o sistema tributário brasileiro não fosse único no mundo em grau de complexidade e injustiça social.
Ódio à livre concorrência
Mas a bronca velada continua, sendo direcionada às famílias que controlam o Banco Itaú, que recolhem bilhões de dividendos ao ano, sem o pagamento de impostos. Como se fosse crime ter lucro, na sequência vem a denúncia de que os grandes bancos brasileiros cobram os juros, (principalmente sobre cartão de crédito e cheque especial) mais altos do mundo.
Para o candidato em questão, que já foi ministro de governos antagônicos, é mais fácil cobrar impostos sobre os dividendos gerados pelos bancos, do que estimular a competição entre eles, facilitando a entrada de concorrentes internacionais para baixar os juros cobrados por aqui.
E a questão que afeta o brasileiro diretamente no bolso, não é o fato de alguns receberem dividendos sem impostos, mas pagar altíssimas taxas de juros para financiar a compra da casa própria ou a troca do carro, estimulando a atividade econômica. Ou seja, o candidato não quer resolver um grande problema para o brasileiro. Ele quer apenas aumentar a arrecadação de impostos.
A mensagem subliminar que fica é a seguinte: se os bancos pagarem impostos sobre os dividendos, eles poderão continuar cobrando juros altíssimos dos seus clientes.
Mesmo sem o ingresso de novos concorrentes no sistema bancário brasileiro, pois os estrangeiros não conseguem lidar com a nossa burocracia, o governo poderia atuar para baixar os juros dos empréstimos, através do controle de dois dos cinco grandes players do mercado. Se a iniciativa privada controla o Bradesco, o Itaú e o Santander, o governo tem um banco estatal, a Caixa, além de 54% das ações do Banco do Brasil.
Numa conta simplista o governo tem influência sobre 40% dos grandes bancos brasileiros. Se os juros cobrados por Caixa e Banco do Brasil fossem bem menores, correntistas dos outros bancos correriam para abrir novas contas, obrigando os concorrentes privados a baixarem seus juros também.
Guerra secreta contra a liberdade
Como os candidatos falam teoricamente o que a maioria dos brasileiros quer ouvir, dificilmente eles vão propor a desburocratização para a abertura e encerramento das empresas, a simplificação da cobrança de impostos e a desregulamentação das relações trabalhistas, para estimular a contratação de novos funcionários e a oxigenação do mercado de trabalho.
Na outra ponta teríamos o aumento da facilidade para demitir funcionários. Então, que candidato vai explicar na TV que a maior segurança para o trabalhador se manter no emprego está na sua própria competência, e não num sistema protecionista arcaico, que come as empresas por dentro?
Este mesmo trabalhador deveria ser informado que ele seria muito bem-vindo na Bolsa de Valores, e que parte do seu salário – investida regularmente em empresas de bons fundamentos e fundos imobiliários sólidos – poderia lhe gerar renda passiva crescente, através de dividendos livres de impostos.
A Bolsa de São Paulo tem pouco mais de 660 mil CPFs cadastrados. A quase totalidade deste contingente não é formada por controladores de empresas, mas por acionistas minoritários que seriam igualmente afetados pela taxação de dividendos, fora aqueles que já pagam impostos por operações bem-sucedidas de day trade e swing trade.
Neste caso, não estamos tratando de grandes empresários, mas de pequenos e médios investidores na condição de pessoa física, dos mais diversos ofícios, que poupam recursos mensalmente para realizar seus aportes. Um detalhe importante: o dinheiro poupado significa que o investidor já pagou uma cascata de impostos, seja de renda, seja de consumo.
Portanto, que político brasileiro deseja que o trabalhador ganhe independência financeira no longo prazo? A independência financeira gera outras independências, inclusive dos favores ofertados pela classe política.
Com dedos em riste e palavras de impacto, os candidatos que desejam taxar os dividendos no Brasil no fundo desejam manter tudo como está: com os pobres recebendo esmolas de programas sociais, a classe média implorando por proteção para seus empregos, e os empresários a espera de facilidades do BNDES, dado que o financiamento bancário para investir no próprio negócio tem um custo altíssimo.
A mentalidade do longo prazo
Parte do nosso trabalho é escrever artigos que, em linhas gerais, pregam a mentalidade do investimento em longo prazo. No entanto, este é um princípio oposto ao praticado pela maioria dos candidatos. Se o ciclo do investidor de valor pode durar décadas, os políticos pensam nas próximas eleições: isso reduz o ciclo deles a um prazo de 24 meses.
Infelizmente nossa classe política não é composta por investidores de longo prazo, mas por especuladores que compram ideias de assessores na manhã para vendê-las ao eleitorado de tarde.
O Brasil tem graves problemas que não são passives de solução no curto prazo. Logo, a mentalidade do longo prazo precisa imperar nos debates eleitorais. Talvez não sejamos capazes de enfrentar várias causas de uma vez. Então temos que elencar as prioridades.
Educação é a nossa bandeira
Como em nossas linhas prezamos pela educação financeira, entendemos que a educação num âmbito geral seria a prioridade das prioridades. Com investimentos pesados em educação de base, podemos forjar uma geração de brasileiros capazes de enfrentar, com mais propriedade, as demais questões que nos atordoam.
Então, se numa democracia nos cabe o direito de colaborar com o debate, esta é a nossa prioridade: a educação.
No curtíssimo prazo também temos questões de ordem, mas certamente a cobrança de impostos para dividendos não está entre elas. Poderá ser um dia? Sim, mas em um cenário mais evoluído, com a resolução de questões estruturais encaminhada.